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No Código Civil de 1916, somente era reconhecida a família advinda do matrimônio, na qual era admitida como “família legítima”. O que nos faz concluir que qualquer outro tipo de família, sendo ela não casamentaria, era vista como “ilegítima”.

Nada obstante a isso, por diversas razões as pessoas optaram – e estão optando- por se unirem com outra pessoa, com estabilidade, vínculo de afeto, e com o intuito de formar uma família, sem a necessidade da celebração do casamento.

Apesar de ainda muito refugado por pessoas mais conservadoras, a existência de vínculos familiares extramatrimoniais é a nossa realidade. E indo de encontro com essa prática, hoje as diversas feições de entidade familiar são reconhecidas e protegidas pela Constituição Federal, em seu art. 226.

E isso não é tudo, cabe ressaltar o papel importante que a família tem em nossa sociedade, a começar pela efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana.

Malgrado não existir hierarquia entre o casamento e a união estável, é certo dizer que há um descuido pelo legislador quanto ao tratamento dos institutos, eles são tratados de forma díspar. Nesse sentido, podemos salientar as regras do casamento putativo que não são previstas para as uniões estáveis. O que nos parece desacertado.    

Além de tudo isso, em decorrência das relações desenvolvidas em cima de uma putatividade, nos faz aceitar e compreender a existência de famílias simultâneas. Estas, não inferiores as demais e merecedoras de proteção do Estado.

 

União Estável Putativa e a Coexistência de Núcleos Familiares

 

Cumpre ressaltar inicialmente que hoje, em acertada posição, a Constituição Federal 1988 reconhece o princípio do pluralismo das entidades familiares, tanto é verdade que em seu art. 226, §3º afirma ser a união estável uma estrutura familiar.

Nos últimos tempos as pessoas optaram por se unirem e conviverem em um mesmo teto, arcando com as responsabilidades da vida em comum, mas sem as solenidades e\ou registros como é exigido em um casamento. O que não é certo dizer, que isso por si só, não configuraria uma entidade familiar. Os companheiros têm a chamada affectio societatis, ou seja, a intenção de formar um grupo familiar.

Anteriormente ao Código Civil de 2002, somente o casamento lograva proteção e reconhecimento do Estado e somente com o matrimonio se reconhecia um núcleo familiar. Fato é, “apesar da rejeição social e do repúdio do legislador, vínculos afetivos fora do casamento sempre existiram”[2].

De veras o casamento e a união estável não são institutos congêneres, até mesmo porque nossa Lei Maior diz que a união estável tem proteção do Estado e deve a lei “facilitar sua conversão em casamento”[3]. Não se converte coisas idênticas.

E nesse sentido, o que se está querendo dizer é que, na atualidade existem formas diferentes de se constituir família, seja por casamento, união estável ou qualquer outro tipo de modelo familiar, desde que seja constituída com o afeto e com o ânimo de constituir família (intuito familiae), entre pessoas do mesmo sexo ou de diferentes sexos. O que não significa dizer que nenhum instituto é melhor ou superior ao outro, mas que todos merecem tutela do Estado.

Dando seguimento ao texto constitucional, veio a lei 8.971/94, que trouxe o direito a alimentos e à sucessão ao companheiro, e além disso previu, o prazo de cinco anos para a configuração da união estável, mas ainda era uma lei que trazia um certo estigma, quando previa que tal relação só era possível aos solteiros, judicialmente separados, divorciados ou viúvos.

Posteriormente foi editada a lei 9.278/96, extinguindo o lapso temporal para a configuração da união estável, e dano um passo à frente, admitiu a união entre pessoas separadas de fato.

Há doutrina que tenta equiparar o casamento com a união estável. São institutos que, sem dúvida, se assemelham, até porque ambos são constituídos por um vínculo de afetividade, com o intuito de formar uma família e com o objetivo de uma comunhão plena de vida. Mas, nesse sentido critica Rodrigo da Cunha Pereira, Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família- IBDFAM, ao dizer:

 

“[...] equiparar a união estável seria praticamente acabar com ela, matá-la em sua essência, que é exatamente não estar presa às regras do casamento. A união estável é um instituto em que os sujeitos desejam um espaço onde possam criar suas próprias regras da convivência, sem interferência do estatal”[4].

 

Em verdade, não tem como se equiparar tais institutos, a começar pela sua constituição. Enquanto o casamento se dá com a celebração do matrimônio, a união estável se dá com a simples convivência.

Mas se pleitearmos a tutela do Estado, em relação a união estável, menos livre essa relação vai ser, mas apesar disso mais proteção as partes terão, e assim, consequentemente a união estável ganha mais características do casamento. O que não é ruim. E é por esse ângulo que assevera Dias (2015, p.242):

 

“Tudo o que está disposto sobre as uniões extramatrimoniais tem como referência a união matrimonializada. [...] Esse é um paradoxo com o qual é preciso aprender a conviver, pois, ao mesmo tempo em que não se quer a intervenção do Estado nas relações mais íntimas, busca- se a sua interferência para lhes dar legitimidade e proteger a parte economicamente mais fraca”.   

Em resumo o que está querendo trazer a esse diapasão é que o casamento e a união estável se constituem de diferente modo, e por isso não podemos igualá-los, mas a proteção advinda da união, tanto aos cônjuges como aos companheiros, deve ser a mesma.

Tanto é assim, que existe o chamado casamento putativo, que é aquele – em linhas gerais- que embora seja nulo ou anulável, possa surtir efeitos. E hoje, o que se discute na doutrina é se podemos, ou não, aplicar por analogia esse instituto às uniões estáveis. A resposta nos parece verdadeira.

Reconhecer a putatividade de uma união estável e a eventual simultaneidade de núcleos familiares, não é negar o princípio da monogamia – que é aquele reconhecido no direito brasileiro- e sim assegurar a proteção que a putatividade ocasiona.

Não nos referimos aqui de meros casos, ocorrências passageiras, namoros ou até mesmo- usando a expressão do Código Civil de 1916- concubinatos impuros.

Visivelmente o que se defende aqui é a putatividade das uniões estáveis que preenchem os requisitos do art. 1.723 Código Civil, quer seja, um vínculo que contemplem uma “convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Uma vez que, diante desses requisitos haveria uma aparência de união estável ou uma aparência de um direito.

Dessa maneira, apoiando-se no art. 1.561 do Código Civil, um ou ambos os companheiros (as), que constituir união estável de boa-fé (leia- se não sabia de alguma causa impeditiva do art. 1.521 CC), lhes são atribuídos os efeitos dessa união. Quer seja: dever de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos (art. 1724 CC); adição do patronímico do companheiro; outorga uxória (apesar de não ser essa a posição dos tribunais)[5]; partilha; meação; direito sucessório; direito real a habitação (lei 9.278/96, art. 7º, parágrafo único); usufruto (lei 8.971/94, art. 2º); alimentos, entre outros.

Admitida tal relação como união estável putativa, e outorgando-lhe os seus efeitos jurídicos, encadeado a isso, surge mais uma questão. Poderia em nosso ordenamento jurídico a simultaneidade de mais um núcleo familiar? A resposta, por mais polêmica que seja, mais uma vez nos parece positiva.

Nesse sentido, podemos ter por exemplo, uma pessoa casada, e que mantém essa união matrimonial, convivendo em uma união paralela e concomitante com uma terceira pessoa de boa-fé (que imagina estar em uma união estável sem nenhum tipo de impedimento, ou como diz a doutrina, em um “concubinato puro”).

Ambos são considerados como núcleos familiares. E nessa linha, em brilhante ponderação DIAS (2015, p. 249 e 250), conclui:

 

“Rejeitar qualquer efeito a esses vínculos e condená-los à invisibilidade gera irresponsabilidade e enseja o enriquecimento ilícito de um em desfavor do outro. O resultado é mais do que desastroso, é perverso: nega divisão de patrimônio, desonera de obrigação alimentar, exclui direito sucessório. Com isso se estará incentivando o surgimento desse tipo de união (grifo nosso) ”.

 

E ainda completa: “[...] a inexistência da entidade familiar é, muitas vezes, castigar quem nem sabia da reprovabilidade de tal agir [...]”.

Nesse sentido, não é a posição mais aceita, mas em certos casos o que vem entendendo os Tribunais é o reconhecimento da união estável putativa e paralela ao casamento. Veja:

 

União Estável. Situação putativa. Affectio maritalis. Notoriedade e publicidade do relacionamento. Boa-fé da companheira. Prova documental e testemunhal. [...] 2. Tendo o relacionamento perdurado até o falecimento do varão e se assemelhado a um casamento de fato, com coabitação, clara comunhão de vida e de interesse, resta induvidosa a affectio maritalis. 3. Comprovada a notoriedade e a publicidade do relacionamento amoroso havido entre a autora e o de cujus, é cabível o reconhecimento de união estável putativa, quando fica demonstrado que a autora não sabia do relacionamento paralelo de varão com a mãe da ré. Recurso provido. (TJ/RS, Ac. 7ª Câm. Cív., Ap. Cív. 70025094707- Comarca de Gravataí, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 22.10.2008, DJRS 30.10.2008).

 

 E mais que isso, vem reconhecendo os Tribunais, em tímidas decisões, a divisão do patrimônio em três partes. Assim, reconhecida a união estável putativa concomitante ao casamento, os bens serão divididos para os envolvidos. Uma parte para o cônjuge adúltero, uma parte para a esposa e outra parte para a companheira. Isso vem sendo chamado pela doutrina e jurisprudência de triação.

Apesar de ser, esse tipo de decisão, minoria em nosso pais, já podemos perceber o seu crescente caminhar. Ora, presente a boa-fé e vivendo um dos companheiros em erro desculpável, não nos parece acertado não lhes conferir os efeitos jurídicos dessa relação.

 

Contestar a existência da simultaneidade dos núcleos familiares é tapar os olhos para nossa sociedade contemporânea. Aquele companheiro de boa-fé, que aparenta um estado de convivência até mesmo perante toda a coletividade, não pode ficar à margem do direito. E mais, o companheiro de má-fé deve responder pelos compromissos econômicos e sociais assumidos por ele.

Finalmente conseguimos compreender que família, seja ela qual for, advinda de um casamento, união estável ou qualquer outro tipo, deve ser levada em conta não a sua formação, mas sim o objetivo de se formar uma família, em uma comunhão de vida e troca de afetos. E é esse sentido que o caput do art. 226 da Constituição Federal acredita ao conferir à “família, base da sociedade, especial proteção do Estado”.

http://www.ibdfam.org.br/artigos

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